Despertar pela manhã ainda oculta. Bocejar uma, ou duas vezes. Ligar a ducha e esperar que ela purifique aquela alma desbotada. Vestir-se com uma camiseta gasta de uma banda desconhecida, e calçar o velho tênis escarlate. Os cadarços, aos tornozelos. O café que já virou chá. E a porta de madeira. Através da manhã já desperta, mas glacial. Atravessar as ruas, calçadas, deparar-se com as mesmas pessoas, embora não lhe saiba os nomes. Ver ao longe aquele grande castelo contemporâneo, e logo sentir que a distância já está se encurtando. As escadarias: Subi-las. A ânsia é visível: Engula-a. O Elevador. Embarcar ao lado de uma velha pomposa com seus óculos dourados Dior da década de 50, junto com uma jovem com atributos visíveis e batom rubro que contrasta nada perfeitamente com seus cabelos amarelos, e um homem ocupado demais para perceber sua presença, com seu jornal defronte a face. A porta fecha-se, e sobe. Segundo andar. Terceiro, uma parada. A velha sai, fazendo um barulho nervoso com seus tamancos de couro branco. As portas movem-se demoradamente. Quarto andar e outra parada. O homem com o jornal ainda tampando-lhe a visão, sai apressado pela porta e esbarra em um jovem que ocupa seu lugar no elevador. Este olha para a loura, mas logo disfarça a entreter-se com as alças da capa de um violão. Quinto andar. Sexto. As portas que agora abrem são para o rapaz, e para você. Os dois saem, sem olhar para a loura que passava outra camada de seu batom vermelho a preparar-se para a próxima parada. Atravessar uma porta de vidro talhada com uma clave de sol. Nunca reparara antes no quanto uma clave de sol pode ser tão insignificantemente frágil? Sentar-se em uma poltrona marrom, e logo ouvir um estranho barulho ao chocar-se contra suas pernas. Abaixar a cabeça e aguardar, ansiosamente. O rapaz tira de seus bolsos uma chave, e apressa-se em abrir a primeira porta do pequeno corredor. Ele olha para você antes de entrar, mas não recebe outro olhar. Alguns minutos depois de tê-la fechado, um belo som, austero, tocado pelas cordas de uma guitarra, soa pelo sexto andar. Mas logo uma pessoa de você se aproxima, e diz que pode usar a sala 67. Já a conhece, a sala, de longa data, e por isso sorri ao levantar-se. Com oito passos. Fechar a porta. Aquele piano negro está a sua frente, ele tem essa mania estranha de deixar-te receoso... A imagem dele soa como uma proposta indecente de um duelo. E você, curiosamente, sempre a aceita. Sacar o caderno de partituras, sentar-se defronte ao teclado, e colocar-se a tocar. Suas costas eretas. As pernas que se contraem ao tocar o pedal. Seus dedos dançam como nunca. E você sente seu coração palpitar rapidamente... Fecha os olhos. Vibra. Incita. Recita. E inspira intensamente. Sua última melodia. Agora você está em pé, abrindo aquela grande janela que sempre te deu a visão completa daquela cidade. Sorri gentilmente para as nuvens, antes de encarar amargamente as pequenas pessoas que sempre se moveram com a rapidez de um antílope. Corram! Corram! Como correm! Mas você nunca ligou para isso. Não é?Não corra! E como um pássaro que não possui asas... Jogar-se contra o nada. A cantarolar uma última melodia.
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on domingo, 20 de fevereiro de 2011
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A alma
- [The]Lirium
- Na escuridão ela tem um milhão de amigos... A música toca e, isso nunca acaba. Ela sonha... Sonha.